Manoel
tinha um enorme ermo bem dentro do olho. Por motivo de ermo não foi menino
peralta. Fez, então, como escritor, o que não pôde na infância fazer: enxergou
a vida por suas raízes crianceiras, numa visão comungante e oblíqua das coisas.
Quem diz isso não sou eu, mas ele, em sua gramática expositiva do chão.
Em
sua gramática, que se escreve na areia, em cima da árvore, na beira do rio,
exerce com soberania sua profissão de encantador
de palavras (p.17). Consegue, como ele só, ver o mundo como a pequena rã vê a manhã de dentro de uma pedra (p.16).
Como? Pela delicadeza de muitos anos ter
se agachado nas ruas para apanhar detritos – compreende o restolho (idem).
Do
restolho de tudo, o tal do Barros faz versos. Do restolho do pão, das histórias
ou da vida. A vida, para ele, é medida pelo encantamento... E que encantamento
há no restolho? Lata. A lata que faz o homem; o homem de lata que faz escorrer
de si os silêncios, que estragado de
borboletas, é resto anuroso de pessoa (p.27).
Do
restolho de nós, Manoel de Barros explica o poeta, a lua, o pássaro, o córrego,
o mar, o sol, a estrela, o caramujo, a árvore... Explica cada um de nós, em
nossas mesquinhas vontades e nos mais ardentes desejos de ser gente. E o que
nos torna gente?
Ao
que parece, pouco sobrou do que nos tornava nós, em essência. Somos apenas
mazelas... De nossos preconceitos? De nossas guerras? De nossa ganância e
loucura? Não sou eu quem dirá; só você poderá descobrir-se. Porém, com Manoel
afirmo que somos restos. Restos de
pessoas saindo dentro delas mesmas aos tropeços, aos esgotos, cheias de orelhas
enormes como folhas de mamona. Os indícios de pessoas encontrados nos homens
eram, e são, apenas uma tristeza nos olhos que empedravam (p. 40/41).
Sobramos.
Somos restos da Máquina. Vamos a chás
de caridade, mas ajudamos os fracos a
passarem fome e damos às crianças o
direito inalienável ao sofrimento. A Máquina mói. Torna-nos menos gente.
Empedra. Quem é a Máquina? Depende de quem é você. O que importa é que a Máquina
tritura e não é fonte de pássaros (p.
46).
Entre
a lata e máquina que mói, há a esperança de ser gente crianceira.
Refaça-se
com Barros. Destrua as formas de ser quem já não é. Viva de peraltices...
Encha-se
de pássaros.
Livro citado:
Barros,
Manoel. Gramática expositiva do chão. 2ª
ed. São Paulo: Leya, 2010.
Outras fotos:
Olá, Mariane.
ResponderExcluirSou meio lerda e confesso que pouco entendi do que você escreveu hehe. Quanto ao livro não leria por ser um gênero que não gosto de ler. Mas achei a capa linda.
Blog Prefácio
Aaaaaah Mariane!!!!! Eu li seu texto em voz alta só para sentir a sonoridade de suas palavras.... Como você é linda no que escreve! <3 Tornou minha manhã de domingo mais iluminada!!! Obrigada pela poesia e o melhor convite do mundo para ler Manoel de Barros!
ResponderExcluirAngustiante é uma expressão correta para a sensação que a gente tem lendo "O papel de parede amarelo". Arrepiante também, esse foi um livro que deixou um bolo na minha garganta sabe! Da mesma forma que saber que a Gilmar conseguiu superar o papel de parede amarelo, rasgar ele e viver sua vida é um alento e um exemplo, um grito de "Você Pode!". Também adoraria ver a cara da sociedade.
Estou com você na sensação de orgulho e de que vou voltar a esse livro muitas vezes!
Pandora
O que tem na nossa estante
P.S.: Você gosta de Fernando Pessoa? É meu poeta FAVORITO, um dia, se você puder e sua inspiração der... quem sabe você não escreve sobre ele ;)
Oi Mariane!
ResponderExcluirÓtima reflexão como sempre.
Gosto muito dessa coluna pois é um momento em que tenho oportunidade de desbravar outros gêneros que não leio tanto. Adorei as fotos do livro e vou adicioná-lo na minha lista de desejados!
Bjo bjo^^
Oi Mariane.
ResponderExcluirSou dessas que acredita que um bom leitor deve sair da sua zona de conforto e desbravar gêneros e forma de escrita diferentes, por isso, mesmo não estando habituada com esse tipo de livro, vou dar uma chance a ele. Gostei da forma como você escreveu.
Beijos
Quanto Mais Livros Melhor
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQue bela escrita! Encantadora!
ResponderExcluirAdorei o post e aticei-me a ler o livro.
Beijos.
Blog Jovens Mães
Oi, Mariane
ResponderExcluirVou confessar que alguns trechos eu não entendi o que quis dizer, não por não ser belo, mas porque sou lerda mesmo rs
Pelo menos as passagens que compreendi achei lindas. Você escreve muito bem.
Ainda não conhecia o livro.
Oi, Mariane
ResponderExcluirParabéns pela eloquência. Um texto que precisa ser lido de maneira minuciosa, nas entrelinhas, para só assim ser compreendido!
Oi Mari, tudo bem?
ResponderExcluirAdorei a postagem, como todas as outras desta coluna (e deste blog também).
Ainda não conhecia o livro, mas acredito que iria gostar bastante.
Um beijão
https://profissao-escritor.blogspot.com.br/
Oii Mariane!
ResponderExcluirParabéns!! Tá mto bacana!! Confesso que comecei sair da minha zona de conforto me permitindo ler outros gêneros e tenho me surpreendido bastante, e com essa sua escrita não seria diferente viu, leitores se prendem msm nesse livro!
Gostei mto!
Bjs!!
Olá!
ResponderExcluirSempre é belo e enriquecedor ver obras como essas e apresentações como as suas. Precisamos estar motivados a conhecer e admirar outros gêneros literários. Parabéns por mais essa reflexão. Beijos.
Oi tudo bem..
ResponderExcluirÓtima reflexão,mas infelizmente não é um livro que leria ,não curto muito esse gênero apesar desse ser a favor variar de gêneros,mas esse não seria um livro que eu leria..
um abraço e muito sucesso :)
Tive que ler o texto duas vezes para tentar entendê-lo, e ainda estou na dúvida se entendi todo o contexto. Mas de qualquer forma achei muito bonita a reflexão.
ResponderExcluirabraços
Gisela
www.lerparadivertir.com
Que fofurinha!!!
ResponderExcluirGostei! Não conhecia o livro ainda, mas gostei, apesar de não sei o gênero que costumo ler.
bjocas