Lágrimas.
Arrancá-las de nossos olhos é uma das façanhas mais intensas da literatura.
Lágrimas, que muitas vezes não saem dos olhos, porém, inundam a alma, são a
prova dos resquícios de humanidade em nós. Lágrimas e literatura: esperança e
humanidade. Foram esses os sentimentos que transbordaram de meus olhos, do meu
corpo, da minha alma, enquanto o balançar do ônibus seguia seu caminho. A
humanidade incontrolável que saía dos olhos. A cova e o holocausto em mim.
Daniela
Arbex é jornalista. Defensora dos direitos humanos, passou a carreia em busca
de histórias que ajudassem a lembrar nossa desumanidade. Nesse caminho,
encontrou, no Brasil, covas e holocaustos. Os sacrifícios feitos em nome da
velha e desgastada política, em nome do poder e do capital. Nesse caminho,
encontrou milhões de leitores, que, hoje, como eu, são abrigo de sombrias
histórias reais. História nossa. História a ser lembrada aos que insistem em
esquecê-la. História de dor e desesperança.
Na
cova 312 jaz Milton Soares de Castro. Morto todos os dias no coração de uma mãe
que faleceu a espera de encontrar o corpo do filho. Na cova 312, jaz os sonhos
de um homem que acreditou numa revolução de ideais. Um homem massacrado pela
tortura institucionalizada na ditadura militar. Um homem sem o direito de
morrer em paz. Sem o direito do adeus. Acusado de suicídio, quando todos tinham
certeza do óbvio: havia sido assassinado. Na cova 312 jaz Milton Soares de
Castro. Uma cova entre tantas que a nossa ditadura deixou para trás: sem
lápide, epitáfio ou flores.
No
Colônia, palco do que Arbex chama de holocausto, pela similaridade com os
campos de concentração, jazem 60 mil mortos. Funcionando como nunca, também no
período ditatorial, o “trem de louco” despejava os incômodos sociais no maior
hospício do país. 70% não possuía
diagnóstico de doença mental. Contudo, saíram de lá com algum transtorno ou
mortos. Para terminar no Colônia, bastava ser epilético, alcoólatra,
homossexual, prostituta, uma menina que perdeu a virgindade antes do casamento
ou que foi estuprada por um homem de poder. Para acabar no Colônia, onde não
havia cama, cobertor ou água potável, era só incomodar alguém com poder.
Cárcere.
Cova 312 e Holocausto Brasileiro são
livros sobre o cárcere. Sobre os porões da ditadura, sobre os porões da saúde
mental. Sobre os porões da nossa humanidade. A ditadura e sua tortura não
resistiriam por tantos anos sem o consentimento da sociedade. Colônia e seu
extermínio não continuariam de pé sem o silêncio negligente. Os genocídios e
atrocidades que hoje se perpetuam contra a juventude negra e pobre, contra a
comunidade LGBT ou contra as mulheres só se perpetuam porque nos calamos,
fingimos não ver. Elegemos e defendemos quem defende e financia o massacre.
Lágrimas.
Com elas iniciei esse texto, com elas eu me despeço. Arrancá-las de nossos
olhos é uma das façanhas mais intensas da literatura. Uma façanha que,
romanceando a realidade, Daniela Arbex, por tantas vezes, durante uma semana de
leituras, fez-me experimentar. A tortura foi real. O desaparecimento foi real.
A desumanidade continua sendo real. Porém, ainda há esperança: torturados que
dedicam suas vidas à manutenção da democracia, mulheres que, mesmo com suas
cicatrizes, buscam fazer do mundo um lugar humanizado. Gente que continua
sonhando.
Lágrimas.
Elas são, também, o resultado de um memorial.
“E
se centenas de brasileiros tiveram suas vozes silenciadas, nós continuaremos a
lembra-los, um a um, falando em seus nomes.
–
Milton Soares de Castro!
–
PRESENTE”. (Cova 312, p. 342)
Os
esquecidos vivem. Suas histórias resistem em nós!
Referências:
ARBEX,
Daniela. Cova 312. São Paulo:
Geração Editorial, 2015.
__.
Holocausto Brasileiro. São Paulo:
Geração Editorial, 2013.
Outras fotos:
Falar ou ler sobre o Holocausto é coisa que só os fortes conseguem. Cada livro que sai, parece que ainda é pouco para tentar ao menos, nos fazer entender um pouco, sobre todo este caos que muitos de nós, humanos, vivemos na pele. E por mais que tentemos isso, nunca conseguiremos chegar perto da dor, do sofrimento e da desumanidade que aconteceu.
ResponderExcluirAinda não conhecia este livro, mas estou aqui, com um nó na garganta e louca para ler e com isso, me emocionar também!
Beijo
Nossa uma história contada como eram difíceis essa época em que tantos sofreram conhecer um pouco da história do país o quanto de inocentes morreram sem ao menos se defender, muito triste porém um livro com uma grande história.
ResponderExcluirAté mais!!!
Mariane!
ResponderExcluirNem sabia que havia tido tanta desgraça aqui no Brasil, sendo comparada ao do Holocausto.
Para quem gosta de história como eu, gostaria mesmo de fazer a leitura do livro e acompanhar todo o drama e tristeza que as páginas carregam.
“Não ganhe o mundo e perca sua alma; sabedoria é melhor que prata e ouro.” (Bob Marley)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
TOP Comentarista de MARÇO, livros + KIT DE PAPELARIA e 3 ganhadores, participem!
Muitas dificuldades, tristezas, mas faz parte conhecermos o passado. As imagens são mesmo fortes, mas o enredo parece muito bom.
ResponderExcluirwww.mecontanoblog.com
O Golpe Militar no Brasil representou uma tragédia sem tamanho. Pessoas desaparecidas; outras, eternamente traumatizadas por torturas intensas. Um desgoverno brutal, regido pelo ódio e pela ganância das altas classes sociais. Uma tristeza e por isso merece ser estudado. Redescobrir a história é mudar a sociedade.
ResponderExcluirJá em relação à Barbacena, eu desconhecia por completo, o que é chocante. Atrocidades desse tamanho deveriam ser divulgadas; o conhecimento liberta e evita a repetição.
Não conhecia as obras da Arbex, sua postagem abriu meus olhos. Quero ler, principalmente, Holocausto Brasileiro.
Parabéns à Geração pela coragem de publicar esses livros e a você por fazer uma postagem tão intensa.
Este livro está na minha lista de desejados. Um livro assim nos faz pensar em como o ser humano é cruel e como nosso país não se safa desta tamanha crueldade. Uma ótima dica e um excelente texto.
ResponderExcluirAbraço!
A Arte de Escrever
Oi, Mariane!!
ResponderExcluirQue livro com o tema mais forte!! E difícil ler qualquer coisa que fale sobre o holocausto e não se emocionar!! O livro certamente é uma excelente indicação de leitura.
Beijoss
Sinceramente, não sabia que coisas tão ruins tinham acontecido no Brasil, a ponto de serem comparadas ao holocausto. Fico na vontade de ler a obra, mas também sei que ficarei bem triste. Essas imagens são tão fortes...
ResponderExcluirObrigado por compartilhar esse texto. É bom conhecer um bom desse história do Brasil, apesar de nem sempre ser bonita.