29/01/2017

Desbravando Nós: A mãe que chovia


Era uma vez. Uma vez, um menino. Uma vez, uma mãe. Ele, filho da chuva. Ela, a própria gota. Era uma vez todos o filhos de mães. E todas as mães. Mães que chovem. Mães que fazem chover.

“Desde sempre, todo mundo dizia que ele era filho da chuva” (p. 6). Porém, aquele “menino esperto, bem humorado e com idade de mais ou menos” (p. 8), sabia exatamente de quem era filho. E de quem vinham as gotas que lhe inundavam a alma de ternura.

A mãe, mesmo gota, desdobrava-se: era mão, pés, ajuda e coração. Era cobertor e canção de ninar. Mas a mãe, sendo chuva, também era uma “atividade altamente qualificada de âmbito sazonal” (p. 17). E isso queria dizer que só ela chovia. E que partiria para chover o mundo.

Ninguém suspeitava, porém, que a forte chuva, entre gotas, era pranto. Muitos que, suponho, a amaldiçoavam por ser mãe e chuva, não sabiam a dor que havia em seu peito feito água, sempre inundado de saudade do filho.

O menino também sentia saudades. Porém, envolto, talvez, em  opiniões dos que dizem que mãe deve sempre estar aqui e lá, o menino perdia cada vez mais a vontade de usar suas palavras. E, mesmo com a chegada de sua mãe-chuva-menina, que caía junto às folhas no outono, seu silêncio era cada vez maior. O silêncio demorou a passar: só voltaria a acreditar nela, a própria chuva, se ela lhe desse a mão, como as outras mães costumam fazem.

A mãe chuva, porém, concebeu-se em outra época. Não era como as outras mães. Ela era chuva, a própria. Capaz de florescer campos. Ela tinha seus poderes. Porém, muitos esqueciam disso, porque ela era mãe. E faziam dela só. Apesar de ser tanto... 

Mãe triste; que, de tão triste, numa noite começou a nevar. Floco por floco, em forma de boneco, pronta a dar sua mão ao filho. Porém, “há poucas coisas tão tristes do que ver a própria mãe derreter”. E, aquele silêncio, tão rude e severo, retornou... Tão forte era a dor, que a mãe chuva teimou em não partir naquele verão. Molhou a quentura dos dias, até que foi levada por uma nuvem e sentiu, de novo, o peso do dever de ser mãe e chuva. O peso da saudade.

“Mas, se o verão sempre chega, o outono chega também. O tempo é redondo, como um círculo desenhado com o dedo no ar. E a mãe voltou, entusiasmada, menina, morrendo de saudades do filho. Choveu para procurá-lo, mas não o encontrou”. (p. 44)

A mãe choveu-se por todos os cantos. Choveu-se em casas, janelas, ônibus, caminhões e avenidas. Choveu-se em estádios de futebol e quadras de tênis. Choveu-se sobre piscinas e também barragens. Sobre fazendas, galinhas, cabras. Também sobre os cães e também sobre os gatos. Choveu-se sobre hospitais, prisões e até cemitérios. Porém, nenhuma gota de filho encontrou.

Que surpresa foi sentir, então, as pernas do filho procurado, atravessando-a. Vindas do alto.  “Era seu filho, que descia de paraquedas através dela” (p. 56). Chovendo mansa e serena, a mãe chuva sorria para seu filho. E o seu filho devolvia-lhe o sorriso manso e forte de chuva. O menino, agora homem, entendia enfim os sacrifícios da chuva mãe, que, mesmo florescendo-se ao mundo, esteve lá, sendo enxurrada de afeto. Ele precisou ir até o alto, no lugar onde sua mãe sempre esteve, para entender: filho de chuva sofre sim, mas continua sendo filho. E a chuva, às vezes tão longe, levada por suas obrigações de chuva e de mãe, continua sendo mãe. Continua chovendo.

É verão, no entanto, enquanto escrevo, ela parece querer começar a gotear seu amor. Porque as mães que chovem são muitas. Que chovem de muitas formas. Que vão e voltam. Às vezes, não podem voltar. Às vezes, não podem ficar. E às vezes não querem.  Porém, continuam sendo. Porque a chuva é como é. E arrasa. E inunda. E floresce. A chuva são todas, chovendo como podem. Chovendo como são. Alagando o mundo com suas formas de ser. E com suas formas de não querer... Ser: precisa ser escolha. Deixem a chuva molhar. Deixem quem é chuva chover-se.

Referência:

PEIXOTO, José Luís. A mãe que chovia. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2016 


Fotos:










Comentários
13 Comentários

13 comentários:

  1. Quanta poesia, quanta beleza e simplicidade!
    Quanto amor espalhado em letras e ilustrações.
    Puxa, chega a emocionar ler algo assim. Eu sempre digo que se o mundo conhecesse mais poesia, muita coisa ruim iria embora para nunca mais voltar.
    Amei!
    Beijo

    ResponderExcluir
  2. Oie
    Uauu, que livro lindo e bem poético mesmo, adorei as ilustrações e fiquei com vontade de ler.

    Beijinhos
    http://diariodeincentivoaleitura.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  3. Oi Mariane, que livro lindinho! Achei muito fofo e fiquei com uma vontade imensa de ler.
    Beijos
    [SORTEIO] Aniversário de 1 Ano: Livro - Perdida
    Quanto Mais Livros Melhor

    ResponderExcluir
  4. Nossa, que coisa mais linda.
    Fiquei emocionada e pensativa, é um livro muito lindo e que ao que tudo indica, também é cheio de amor.♥
    Art of life and books

    ResponderExcluir
  5. Oi, Mariane!!
    Que livro mais fofo!! Adorei as fotos!! É uma excelente indicação!!
    Beijoss

    ResponderExcluir
  6. Oi!
    Que lindo esse livro, não conhecia. Palavras reflexivas e tão sentimentais.
    Um livro realmente delicado. Gostaria de ler.
    Obrigada pela indicação.
    Beijos.

    ResponderExcluir
  7. Ola!
    Parece ser um lindo lindo! parabens pela resenha :)
    Abraços!
    http://leituraforadeserie.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  8. Mariane!
    Senti a maior saudade de minha mainha CHUVA...
    A sensibilidade transmitida dá uma nostalgia e mostra o amor profundo.
    Parabéns por escrever lindo texto.
    Desejo uma ótima semana!
    “A parte que ignoramos é muito maior que tudo quanto sabemos.” (Platão)
    cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  9. Que texto maravilhoso e que comparação linda usando a chuva.
    Deu pra refletir e sentir o que o autor queria passar. Lindo!

    ResponderExcluir
  10. Oi Mariane! Que texto poético e que edição linda! Simplesmente adorei!

    Bjs, Mi

    O que tem na nossa estante

    ResponderExcluir
  11. Nossa, que sentimento que o autor consegue colocar nas suas escritas. E ele ainda consegue envolver elementos naturais para isso.
    Parabéns ao autor!

    ResponderExcluir
  12. Que lindo Mariane!!
    Poesia pura! Sentimentos bem colocados!
    Já qro!
    Bjs

    ResponderExcluir
  13. Com sempre texto lindo e indicação ótima. Um ótimo livro para ler para as crianças, com essas belas ilustrações. Lindo.
    Abraço!
    A Arte de Escrever

    ResponderExcluir

© Desbravador de Mundos - Todos os direitos reservados.
Criado por: Marcos de Sousa.
Layout por Fernanda Goulart.
Tecnologia do Blogger.
imagem-logo