02/03/2016

Resenha: Mulheres de Cinzas

Título: Mulheres de Cinza
Autor: Mia Couto
ISBN: 9788535926620
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2015
Páginas: 344
Compre: Aqui

Sinopse:

Primeiro livro da trilogia As areias do Imperador, Mulheres de cinzas é um romance histórico sobre a época em que o sul de Moçambique era governado por Ngungunyane, o último grande líder do Estado de Gaza. Em fins do século XIX, o sargento português Germano de Melo foi enviado ao vilarejo de Nkokolani para participar da batalha contra o imperador que ameaçava o domínio colonial. Lá, ele encontra Imani, uma garota local de quinze anos que lhe servirá de intérprete. Enquanto um dos irmãos da menina lutava pela coroa de Portugal, o outro se uniu aos guerreiros tribais. Aos poucos, Germano e Imani se envolvem, apesar de todas as diferenças entre seus mundos. Porém, num país assombrado pela guerra dos homens, a única saída para uma mulher é passar desapercebida, como se fosse feita de sombras ou de cinzas.

Resenha:

Existem livros que marcam uma época, uma fase da sua vida. Há outros, porém, que você carrega para uma vida toda. Esses, geralmente, são feitos de algo mais profundo, mais denso, mais tocante. Algo que mexe contigo e te muda; arrebata-te. Esses livros são raros, é verdade. Porém, esse ano eu tive uma dessas imensas felicidades: encontrei o livro Mulheres de Cinzas. Esse, sem dúvidas, faz parte desse grupo tão especial.

Tudo começa quando os portugueses invadem Moçambique e começam a reclamar cada território como “Terras da Coroa”. Contudo, a dominação não seria fácil. Por lá já havia um imperador e ele era Ngungunyane, grande líder do chamado Estado de Gaza. A partir daí surge um confronto de interesses, um confronto por poder e terra que fará o solo verter sangue.


No meio dos territórios em disputa, há o vilarejo chamado Nkokolani. Neste local, morava Imani. Ela não era uma garota como as outras. Em primeiro lugar, era a filha do líder local. Segundo, fora educada por padres, tendo um português correto e uma escrita impecável. Por último, era uma mulher com alma diferente. Aos quinze anos, já era independente, forte, com uma personalidade marcante e com uma inteligência superior a de praticamente todos.
“Os imperadores têm fome de terra e os seus soldados são bocas devorando nações. Aquela bota quebrou o Sol em mil estilhaços. E o dia ficou escuro. Os restantes dias também. Os sete sóis morriam debaixo das botas dos militares. A nossa terra estava a ser abocanhada. Sem estrelas para alimentar os nossos sonhos, nós aprendíamos a ser pobres. E nos perdíamos da eternidade. Sabendo que a eternidade é apenas o outro nome da Vida” (p. 15).
Nesse mesmo vilarejo chega o Sargento Germano. Ele ganha a simpatia de muitos por, a princípio, não ter a atitude de outros portugueses. Primeiro, ele anda com suas próprias pernas – enquanto outros obrigavam que as pessoas do vilarejo os carregassem –; ele também parece se importar com o povo, trazendo promessas de melhoras e proteção. Porém, nem mesmo ele e nem as suas promessas eram bem o que pareciam.

Partindo dessa premissa, Mia Couto constrói um dos melhores romances que eu já tive o prazer de desbravar. Com um aprofundamento histórico maravilhoso e contextualização de dar inveja, o leitor viaja nas nuances da trama enquanto aprende uma história africana muitas vezes ignorada pela escola.


Outro ponto que merece ser ressaltado é o aprofundamento da cultura tida naquela região de Moçambique. Couto apresenta as crenças, os mitos e a poesia que envolvia o cotidiano local. É incrível conhecer novas culturas e novas formas de pensar através da obra. Aliás, em muitos momentos, ficamos nos questionando como uma cultura tão bela como aquela pode ser massacrada, até hoje, costumeiramente.
“Haverá, a propósito, saudade que não seja infinita?” (p. 18).
O autor também merece destaque pelo embuste engenhoso que cria. Com a aparência de um romance “romântico”, ele vai muito além. Ele não se prende e nem se foca tanto no possível casal, mas nas marcas que a guerra deixa na alma dos personagens, sejam eles portugueses ou africanos. O aprofundamento psicológico e das consequências são muito mais importantes do que o romance propriamente dito.

Ademais, para completar a obra magnífica, Mia Couto fecha a estrutura do enredo com personagens cativantes, bem trabalhados e reais. Apesar de parecerem imbatíveis no começo, no decorrer da obra conseguimos ver o que é realmente verdadeiro e o que é aparência. Eles se desconstroem e reconstroem, mostrando as múltiplas facetas humanas.


Completando a enorme qualidade da obra, a Companhia das Letras providenciou uma capa bela e que combina perfeitamente com o enredo. A diagramação, por sua vez, está bem confortável, o que proporciona uma excelente leitura. Por fim, também não tenho o que reclamar da revisão: já é o costumeiro alto padrão de qualidade da editora.
“É para isso que servem as fardas: para afastar o soldado da sua humanidade” (p. 20).
Diante de tantos aspectos positivos, qualquer indicação final seria inútil. Recomendar o livro é muito pouco. Digo apenas: se você quiser ser tocado, já sabe qual livro deve procurar.




Comentários
27 Comentários

27 comentários:

  1. Oi, Marcos.

    Ótima resenha! Fiquei na dúvida quanto ao gênero do autor, pois o nome é Mia, mas vc menciona "o autor", não sabia que Mia também poderia ser um nome masculino.
    Que bom que o autor foi além do romance e que explorou outras nuances importantes. Mas apesar dessa resenha maravilhosa e do entusiasmo das suas palavras, não é uma história que tenha chamado muito minha atenção. Porém, é como eu sempre digo: "nunca diga nunca". Agora eu não leria, mas quem sabe mais pra frente? ;)

    Beijo
    - Tami
    http://www.meuepilogo.com

    ResponderExcluir
  2. Oi Marcos!

    Eu gostei muito do enredo apresentado, só a capa que não me agradou. Nunca li nada com o enredo se passando em Moçambique e fiquei bem curiosa.
    Adorei tbm a edição. Está muito bonita!

    Bjo bjo^^

    ResponderExcluir
  3. Infelizmente ainda não tive oportunidade de ler Mia Couto, mas, quero reverter esse quadro o mais rápido possível graças a essa sua resenha encantadora.
    Realmente é difícil encontrar livros super especiais, então, por tudo que você relatou é obvio que quero ler.
    Beijos

    http://coisasdediane.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  4. Olá, Marcos.
    Você falou tão bem desse livro nas redes sociais que eu estava aguardando ansiosamente pela resenha.
    Tudo, absolutamente tudo que tem no livro e foi citado por você, me faz querer lê-lo. A profundidade dos personagens, a forte contextualização, histórica, o foco principal não ser o romance romântico e o contato que nos permite ter com outra cultura.
    Eu quero ser tocada! Quero ler esse livro.
    Abraços.

    ResponderExcluir
  5. Oi, Marcos!
    Sua resenha está ótima!
    Esse livro parece ser muito bom e daqueles que marcam você pra sempre. Amei essa capa também e já adicionei na lista de leitura.
    Beijos
    Balaio de Babados
    Participe do sorteio do livro Marianas | Participe do sorteio Mês das Mulheres em Dobro
    Porcelana - Financiamento Coletivo

    ResponderExcluir
  6. Até ti, Brutus?
    Ops. Marcos.
    Todos amam este livro e eu ainda não li :(
    Preciso amar também!!!!

    Amei a resenha né, lógico.

    Bjkssssssss

    Lelê

    ResponderExcluir
  7. mia couto realmente nos muda. não sei se positivamente, pq ele é muito cru em suas narrativas, mas é fascinante realmente. quero ler esse. beijos, pedrita

    ResponderExcluir
  8. Oi Marcos
    Você capricha demais nas resenhas! Não é um assunto que me interessou. Mas se eu tiver a chance de ler, com certeza não deixarei passar!
    Abraços

    ResponderExcluir
  9. Olá Marcos,
    Adoro livro tocantes e acredito que essa deva ser mesmo assim.
    Ainda não tive a oportunidade de ler Mia Couto, mas tenho muita curiosidade.
    Mulheres de Cinzas é um livro incrível e quero muito ler.
    Obrigada por me apresentar ao livro.
    Beijos,
    http://mileumdiasparaler.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  10. Olá, Marcos.
    Estava ansiosa por esta resenha! Desde que vi seus posts sobre o livro no Instagram, fiquei curiosa para saber o que tanto lhe encantou na obra.
    A capa não me chama tanto a atenção, mas todos os elementos que você destacou na resenha, sim. O foco não ser o romance e sim os danos da guerra, os personagens bem trabalhados, o lado histórico, fazem com que eu queira desesperadamente conhecer a obra.
    Excelente resenha!
    Beijos.

    Li
    Literalizando Sonhos

    ResponderExcluir
  11. Oi, Marcos
    Nossa, fiquei mais que curiosa agora para ler este livro. A obra realmente te tocou e impressionou. Adoro livros que descrevem o cotidiano de outras regiões e tem esse aprofundamento psicológico. Vou anotar esse dica, com certeza.

    livrosvamosdevoralos.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  12. Oi... Como fazemos errado em julgar um livro pela capa não é mesmo? Pela capa (que não chamou minha atenção) eu jamais leria esse livro.... Mas lendo sua resenha parece realmente apaixonante... Daqueles que não marcam por um momento, mas para a vida toda... Adorei... Abraços...

    ResponderExcluir
  13. Anotarei essa dica, para que eu possa ler futuramente, livros capazes de nos marcar para vida toda são sempre bem-vindos!
    Pelo nome achei que fosse uma autora, mas me enganei!
    Enfim, muito boa a resenha!

    ResponderExcluir
  14. Olá!!
    Confesso que e um livro que eu não daria nada pela capa, mas depois de ler a sua resenha mudei de ideia. Fiquei curiosa, me parece interessante.
    Beijos,
    http://masenstale.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  15. Olá, Marcos.
    Parabéns pela resenha, está ótima. Eu não sou muito fã de livros assim você sabe, mas você conseguiu fazer com que eu me interessasse pela leitura. E gosto muito de aprender sobre outras culturas. E a capa está linda. Assim que der eu vou ler.

    Blog Prefácio

    ResponderExcluir
  16. Pela capa eu nem sei dizer o que eu imaginava que seria a história haha ainda assim não faz muito meu gênero, mas que bom saber que teve tamanho impacto pra ti, encontrar um livro que mexe desse jeito conosco é raro e especial

    xx Carol
    http://caverna-literaria.blogspot.com.br/
    Tem resenha nova no blog de "Ligeiramente Maliciosos", vem conferir!

    ResponderExcluir
  17. Oi, Marcos!
    Parabéns pela resenha! Que bom que o livro foi tão impactante para você, é maravilhoso quando os livros nos tocam. Já li um pouco sobre Mia Couto, é um grande autor, Mulheres de Cinzas me pareceu bem interessante!
    Abraços,
    *Carolina*
    http://florescerliterario.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  18. Oi Marcos!!!
    Apesar de querer muito ler algo da autora acho que esse não será uma bom início.
    Pra começar que não me dou bem com livros históricos assim, dai quero ter uma experiência mais confortável com a autora pra não ficar aquela primeira impressão ruim, sabe?
    A obra deve ser maravilhosa, mas não da o MEU estilo.
    Abraço.

    ResponderExcluir
  19. Marcos!
    Maravilha quando podemos viajar e desbravar um lugar através dos livros.
    Imagino como o livro deve ser emocionante e que bom que esteja entre os que ficarão para sempre na memória.
    “Quando todo mundo quer saber é porque ninguém tem nada com isso.” (Millôr Fernandes)
    cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
    TOP Comentarista de março com 4 livros 3 ganhadores, participem!

    ResponderExcluir
  20. Tinha uma professora que falava maravilhas desse autor. Não sei se é isso tudo, mas achei interessante o que vi dele e esse livro chama atenção, tem uma história que dá vontade de saber mais. Parece valer a pena. O que mais gostei dele é da ambientação, um pouco diferente do que vejo e não sei se li algum que se passasse nesse lugar. Gostaria de conferir.

    ResponderExcluir
  21. Esta é a única obra que conheço do autor, graças ao seu blog. Por curiosidade fui pesquisar sobre ele e descobri que ele é biólogo, mesma formação que a minha. Quanto ao livro parece ser realmente magnifico, ainda mais por apresentar a história de um povo que tanto sofre. Gostei muito da sua resenha e da dica e espero conseguir conferir o livro em breve.
    Abraço!

    ResponderExcluir
  22. Não tive a oportunidade de ler algo de Mia Couto, mas procurarei sobre suas obras, confesso que apesar da sua resenha bem detalhada e impecável o livro não chamou muito a minha atenção mas quem sabe isso não muda com o tempo?

    Beijos,
    Parabéns pela resenha.

    Blog Liliterario
    http://www.liliterario.com/

    ResponderExcluir
  23. Oiii Marcos, tudo bem???
    Livros assim são raros e por causa disso são tão especiais. Ainda não li, mas só com a sua resenha já fiquei tocada. Espero conseguir ler.
    Ler sobre outras culturas e realidades é maravilhoso. E realmente, a cultura africana é muito massacrada, o que é uma pena, pois ela é extremamente rica :)
    Beijoooos
    http://profissao-escritor.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  24. Muito interessante o enredo desse livro, fiquei com vontade de ler. Acho que nunca li um livro que se passasse em algum país da África, e é sempre bom ler coisas diferentes. Vou procurá-lo com certeza.

    Abraços :)

    ResponderExcluir
  25. Oi Marcos!
    Parece ser uma história incrível e um lindo romance "não romântico". Recentemente li um livro semelhante a esse, sobre histórias de uma cultura muitas vezes ignorada, mas que quando conhecemos, se faz incrivelmente maravilhosa. Acredito que esse livro nos dá justamente essa sensação, além de citar personagens fortes e marcantes. A guerra trás sim muitas marcas e o anseio está em como essas pessoas conseguiram seguir em frente e construir um novo ideal. Histórias de coragem sempre são emocionantes!
    Abs!

    Participe do Nosso Sorteio de Páscoa!

    ResponderExcluir
  26. A história parece ser boa, mas não é o tipo de livro que gosto de ler, não sei se iria me interessar.

    ResponderExcluir
  27. Eita, muitos elogios ao livro fantástico!
    Gosto de livros sobre uma época antiga e que tenha um fundo de verdade no meio, ainda por cima se forem sobre as desigualdades que a mulher era submetida.

    ResponderExcluir

© Desbravador de Mundos - Todos os direitos reservados.
Criado por: Marcos de Sousa.
Layout por Fernanda Goulart.
Tecnologia do Blogger.
imagem-logo