22/05/2016

Desbravando Nós: O silêncio de nossas crianças


A história despertou a menina, a menina que não tinha palavra. O mergulho no extraordinário despertou nela a palavra, a palavra que ainda se fazia criança sem voz. A menina sem palavra é, em Mia Couto, o que nossas crianças parecem, tantas vezes, serem para nós: pessoas sem voz, humanos incompletos, sem direito à palavra que nasce de seus próprios sonhos.

 “Quando lembrava as palavras ela esquecia o pensamento” (p. 33). Quanto a nossas crianças, fazemos com que esqueçam pensamentos e interrompemos suas palavras. Sempre sabemos o que é melhor para elas. Será?

– Fala comigo, filha! – Porém, não queremos escutar. O nosso dever, de adultos, é o de sermos escutados. “A menina beijou a lágrima” (p.33): que a engula! É tudo por sua educação: nada vem sem dor. Por que não com o amor? Quem ama corrige. Melhor apanhar em casa do que na rua. Melhor, melhor, melhor... O silenciamento das crianças.

A menina que não tinha palavra só precisava de uma história; só precisava do direito de terminá-la ao seu modo. Precisamos deixar que nossas crianças sejam delas próprias também; que experimentem, que ousem; que tenham sempre mãos firmes no lápis com que escrevem suas histórias. Suas palavras não podem ser apagadas com a desculpa de educar e de não criar um pequeno narcisista. Há educação no respeito à palavra. É sempre mais fácil respeitar quem nos oferece, desde o berço, respeito.

Em nossa pressa de educar sem empatia e respeito, perdemos, como os adultos de Mia, as crianças “sonhadeiras”, como Tiago (p.62), para implantarmos neles nossos próprios sonhos e preconceitos; tiramos a vida de suas infâncias tão diversas e singulares. Diga você, responda ao poeta: de que vale ser criança se nós, adultos, impedimos que a palavra da infância seja das crianças e nelas dê frutos?

Ah, Mia. Diga a eles: “criancice é como amor, não se desempenha sozinha. Falta(va) aos pais (ou a qualquer adulto) serem filhos (ou crianças), juntarem-se miúdos com o miúdo. Falta(va) aceitarem despir a idade, desobedecer ao tempo, esquivar-se do corpo e do juízo”. (p. 131).

Houve um tempo em que “a morte se tornara tão freqüente” na vida das crianças que “só a vida fazia espanto” (p.54). Chegou um tempo em que a humilhação, o silêncio e a dor tornaram-se tão frequentes nas vidas das crianças que, ao que me parece, apenas a compreensão, a empatia e a escuta poderão fazer espanto.

Todas as crianças são nossas. Mas só podem ser verdadeiramente nossas, caso deixemos-nos guiar por suas vozes. Pelos desejos que as mobilizam. Pela dor e a pobreza que consome umas, pelos desesperos que corroem outras. Pelas suas respostas diante da vida.

Antes de levantar a mão ou a voz, escute até mesmo seus silêncios: escolha a resposta que vem das crianças.

Livro citado:


COUTO, Mia. A menina sem palavra. São Paulo: Boa Companhia, 2013. 

Fotos do livro citado: 







Comentários
21 Comentários

21 comentários:

  1. Privar nossas crianças de experimentar, de ousar, de agir, é caminhar no sentido contrário de sua independência! Me parece uma leitura necessária a todos os pais
    Beijos!

    EsmaltadasdaPatyDomingues

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  2. Oi, Mari!
    Pelos trechos, dá pra perceber que o livro é daqueles que mexe com a gente.
    Beijos
    Balaio de Babados

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  3. Oi Mariane!

    Adorei o post de hoje! É basicamente isso o que encontramos (e que falta) nas crianças de hoje. As vezes, penso na minha infância e em como era fácil se divertir... hoje não conseguimos tirar as crianças da frente da tv, computados, celular, jogos...
    Não tenho filhos, mas ouso dizer que se um dia eu ter, vou tentar ao máximo fazer com eles o que foi feito comigo na minha infância!

    Ótimos trechos! Mais um livro para minha lista de desejados!

    Bjo bjo^^

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  4. Mais uma ótima indicação de livro, amei o tema tratado, realmente devemos pensar mais nas crianças, que serão o futuro do pais, mas elas por si são acostumadas a ficarem mais em tecnologias do que estudando ou brincando, a infância é um termo que precisa ser bem discutido no Brasil

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  5. Adorei o post!
    O livro parece incrível, e tem um assunto bem novo para mim!
    Achei muito interessante, e com certeza vou adicionar a minha listinha, fiquei realmente curiosa, e gostei muito das citações!
    A capa também é muito bonita!

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  6. Olá, Mariane.
    Estou gostando bastante dessa coluna, onde estou conhecendo novos livros que nunca vi em nenhum blog. E que assunto é esse de hoje. Tudo a ver. E já dizia a Bíblia, quem não se tornar como uma criança não verá o reino de Deus. As vezes as crianças falam coisas que o adulto quer mas tem certa restrição em falar. Então de voz a elas.

    Blog Prefácio

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  7. Olá. Que capa linda, adorei! E um assunto tão forte e importante, crianças, infância e vida! Educar, amar, ousar e proteger. Até onde vai o certo e o errado? Há muito o que pensar e discutir. Não conhecia esse livro, mas já adicionei a minha lista de desejados. Obrigada. Abraços.

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  8. Oi Mariane,
    Sinto que vou as lagrimas com esse livro, hein?
    Gostei da dica, porque eu realmente não conhecia.
    Beijos
    http://estante-da-ale.blogspot.com.br/

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  9. Gostei muito do tema abordado pelo livro, é importante dar liberdade de expressão e não apenas limitar, mas ajudar a criança no que é certo e errado. Gostei da dica, e o livro é lindo! Beijos

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  10. Otimo livro para colocar em pauta de reunião. trabalho em um posto de saúde e esses assuntos sempre vem a tona

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  11. Parece ser um livro bem reflexivo, achei interessante. Mas por enquanto eu não leria.... Além disso, adorei as fotos e a capa do livro.

    Abraços,

    Blog Decidindo-se \o/

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  12. Eu achei esse livro bem complexo. Não sei se entendi ele direito sabe?! Percebi que fala das crianças e o quanto nós calamos as vozes desses seres tao pequenos, mas que muitas vezes tem muito a nos passar.

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  13. Ual!
    Livro mto interessante, complexo e bastante reflexivo!
    As crianças de hoje nunca vão saber como nos divertíamos na nossa infância....Nós "adultos " devemos lutar por isso por eles...
    Bjs!

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  14. Oi Mari, tudo bem?
    Essa coluna é o máximo. Adoro cada uma das postagens.
    Ainda não consegui ler nada de Mia Couto, mas pretendo fazer isso em breve.
    Quanto a postagem e ao livro de hoje...
    Que reflexão. Amei, pois aborda uma tecla em que estou sempre batendo. O direito das crianças. O direito de ser criança. De aprender. De falar. De ser ouvida e não apenas de ouvir. Gosto cada vez mais de trabalhar com crianças ( e adolescentes) pois essas pessoinhas que ainda estão crescendo são mais receptivas a novas ideias e também sempre vem agregar novos conhecimentos.
    Que os filhos precisam aprender com os pais, todo mundo sabe. Pena que nem todos percebem que os pais precisam aprender muito com os filhos.
    Beijos
    https://profissao-escritor.blogspot.com.br/

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  15. Oi
    nem conhecia esse livro, parece ser uma leitura interessante , principalmente para os País quem sabe ajuda a escutar os filhos, não se se leria o livro, mas achei legal.

    momentocrivelli.blogspot.com.br

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  16. Mariane
    Escrever bem e encantar é um dom de família!! Lindo seu texto. Quero dizer que ser mãe é muito, mas muito difícil, somos atingidos por um amor incondicional, que muitas vezes nos cega quando ao certo e errado. Eu faço o tipo mãe amiga, aquela que conversar sobre TUDO com a filha, sem repreensão (porque se reprimimos não vamos conhecer o que os filhos realmente pensam, eles vão te medo de falar), mas será que as vezes não deveria der mais durona? por mais que tentamos acertar, sempre vamos errar em algum momento, faz parte da vida. Mas o mais importante é estar sempre presente, participando e curtindo os filhos.
    Abraços,
    Gisela
    Ler para Divertir
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  17. Oi, Mariane
    Que belo texto! Está tudo errado, privar as crianças nunca foi e nunca será o caminho.
    Quanta sensibilidade para expor seu pensar. Estou adorando essa coluna.

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  18. Oi,Mariane.
    Adorei a postagem e a reflexão da vez. E se paramos para pensar, realmente quando criança tivemos muitas privações, só aprendemos a contar nossas histórias quando maiores, quando aprendemos a dar nossos primeiros passos e quebrar aqueles preconceitos que tínhamos impostos por nossos pais.
    Parabéns pelo belo texto.

    Beijos,

    www.liliterraio.com

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  19. Oi!
    Gostei muito do post, o texto ficou maravilhosos, acho que ele é um tema bem importante e acaba nos fazendo refletir, ainda não conhecia o livro mas pelo quotes deu para ter uma ideia, me deixando curiosa para poder ler !!

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  20. As vezes pensamos que temos muito a ensinar as crianças, mas talvez na maioria das vezes temos é muito a aprender com elas. Quando adultos esquecemos que um dia já fomos crianças, que já tivemos a inocência delas, como você citou, ah se escutássemos mais as crianças, com certeza tudo seria melhor, e elas também teriam um mundo melhor para viver. Gostei muito do livro citado e do texto.
    Abraço!
    A Arte de Escrever

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  21. Que graça de livro!
    Amo tudo envolvendo criança, ainda mais quando de uma forma inteligente e sensata.
    Parece ser uma obra fascinante.
    Outro que também quero.
    bjs

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